
As lacunas de gĂȘneros na WikipĂ©dia sĂŁo o foco do novo minicurso promovido pelo projeto Mais Teoria da HistĂłria na Wiki, que serĂĄ realizado entre 13 de agosto e 20 de setembro deste ano. Intitulado âWikipĂ©dia em chave de gĂȘnerosâ, a atividade Ă© dividida em quatro mĂłdulos a serem realizados em formato remoto na plataforma Moodle, alĂ©m de contar com trĂȘs encontros sĂncronos. O minicurso possui carga horĂĄria total de 30 horas. As inscriçÔes estĂŁo abertas atĂ© 2 de agosto e podem ser feitas aqui.
A iniciativa acontece de forma autogerida e nĂŁo Ă© preciso saber editar na WikipĂ©dia ou ter conhecimento no tema para participar. Todas as pessoas que se inscreverem deverĂŁo fazer uma doação, sugerida no valor de R$ 10,00, ao Instituto Arco-Ăris, entidade de apoio a populaçÔes vulnerĂĄveis de FlorianĂłpolis (SC).
Os inscritos terĂŁo acompanhamento dos wikimedistas Aly Brenner, MirĂ©ia Figueiredo e Muriel Custodio. Com experiĂȘncia na implementação de atividades com a WikipĂ©dia, o Wikidata e Wikimedia Commons, eles fornecerĂŁo feedback sobre as atividades realizadas pelos cursistas e estarĂŁo disponĂveis para esclarecer dĂșvidas sobre o conteĂșdo do minicurso.
Ao longo do minicurso as pessoas participantes irĂŁo construir uma proposta de atividade presencial, online ou hĂbrida como forma de contribuir para o fechamento das lacunas de gĂȘnero e sexualidade na WikipĂ©dia, no Wikidata e Wikimedia Commons. SerĂĄ oferecido suporte personalizado para a implementação da atividade resultante do minicurso com um auxĂlio financeiro de atĂ© R$ 500.
Androcentrismo na rede
Em 2021, em meio Ă s comemoraçÔes dos 20 anos da WikipĂ©dia em lĂngua portuguesa, uma pesquisa realizada por Pedro Rodrigues Costa, da Universidade do Minho, apontou que cerca de 11% das pessoas que editavam na enciclopĂ©dia livre eram mulheres. Menos de 2% dos participantes da pesquisa assinalaram âoutroâ como identidade de gĂȘnero. Esses dados sugerem que a esmagadora maioria dos editores Ă© constituĂda por homens. AlĂ©m disso, hĂĄ uma lacuna de conteĂșdo sobre mulheres e sexualidades dissidentes. Somente cerca de 20% das 265.764 biografias disponĂveis na WikipĂ©dia em lĂngua portuguesa sĂŁo sobre mulheres, de acordo a Humaniki â projeto que compila um conjunto de dados abertos sobre humanos em todos os projetos Wikimedia.
Para Muriel Custodio, um dos ministrantes do minicurso âWikipĂ©dia em chave de gĂȘnerosâ, essa discrepĂąncia estĂĄ relacionada ao perfil de quem edita na Wiki. âO editor padrĂŁo da WikipĂ©dia Ă© um homem branco, heterossexual de classe mĂ©dia. EntĂŁo, isso se reflete no que estĂĄ lĂĄ e na forma como esse saber Ă© apresentado. NĂŁo sĂł o conteĂșdo Ă© impactado, mas a forma tambĂ©mâ, aponta.
Participante de edição anterior do minicurso, Muriel Ă© mestrande em HistĂłria na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) e docente de HistĂłria no Ensino BĂĄsico de FlorianĂłpolis. Segundo Muriel, o andocentrismo â que Ă© a priorização da perspectiva masculina â nĂŁo estĂĄ presente apenas na internet, mas tambĂ©m na produção acadĂȘmica. Como as informaçÔes da WikipĂ©dia derivam tambĂ©m do conhecimento acadĂȘmico, o androcentrismo acaba refletido nesse espaço e impactando âna divulgação do saberâ.
âEsses grupos marginalizados, que inclui pessoas com deficiĂȘncia, pessoas negras, pessoas indĂgenas, outros grupos tambĂ©m para alĂ©m da questĂŁo de gĂȘnero, mas que tambĂ©m tem uma interseccionalidade, tambĂ©m sĂŁo sistematicamente excluĂdos das universidades, das instituiçÔes de pesquisas, da produção do saberâ, afirma.
Aly Brenner tambĂ©m atuarĂĄ como ministrante no curso âWikipĂ©dia em chave de gĂȘnerosâ. Para ela, as lacunas de gĂȘnero devem ser enfrentadas de forma interseccional. âO minicurso pretende ser um evento que pense tais espaços a partir desse recorte, o que possibilita perceber as diversas problemĂĄticas existentes neles. Ao realçar essas questĂ”es, podemos fazer ediçÔes e mudanças que ilustrem tais grupos de forma respeitĂĄvel, e que nĂŁo as inferiorize ou faça piada das prĂłprias, como Ă© tĂŁo comum. Podemos criar novos verbetes que contam histĂłrias de pessoas que foram e sĂŁo invisibilizadas, ou editar verbetes existentes para que tais vidas sejam narradas com a importĂąncia que tiveramâ, explica.
Primeira aluna a adentrar pela cota trans no Programa de PĂłs-Graduação em HistĂłria da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Aly destaca a importĂąncia de iniciativas que busquem ampliar a diversidade e alcançar maior equidade na produção do conhecimento. âAs açÔes afirmativas sĂŁo polĂticas que buscam dar cidadania a tais grupos, mas nĂŁo sĂł isso, elas tambĂ©m promovem mudanças epistemolĂłgicas. Seja com a inclusĂŁo de novas leituras, de uma linguagem que seja menos androcĂȘntrica, como a linguagem neutra, de novos recortes de pesquisa que pensam tais pessoas e as necessidades especĂficas das mesmas, alĂ©m de encher tais espaços com outras sensibilidades e estĂ©ticas, como a Camp, queer⊠As mudanças que buscamos na WikipĂ©dia atravĂ©s do minicurso sĂŁo as mesmas, e logicamente para outros grupos tambĂ©mâ, diz.
A jornalista e historiadora em formação MirĂ©ia Figueiredo edita nas plataformas Wiki desde 2018 e considera que a enciclopĂ©dia virtual Ă© uma ferramenta importante para a divulgação cientĂfica. âTanto para a HistĂłria quanto para a Comunicação Social a Wiki funciona como uma fonte de conhecimento. A biografia de uma figura histĂłrica, por exemplo, Ă© algo positivo tanto para a HistĂłria quanto para a Comunicação Social, porque as pessoas vĂŁo ter acesso a essa informação de qualidade. Eu acho que, nesse sentido, os dois campos coincidem. A Wiki funciona como um ponto de intersecção entre os dois campos. De ser um bom acervo de informaçãoâ, avalia.
Membra voluntĂĄria do Wiki Movimento Brasil e do WikiMulheres+, ela defende a formação de grupos organizados que atuem diretamente na edição dos verbetes da WikipĂ©dia como forma de reduzir as lacunas de gĂȘnero na plataforma. âA WikipĂ©dia, sendo a plataforma mais popular entre os projetos Wikimedia, tem mais atenção dos usuĂĄrios. EntĂŁo, Ă© comum haver reversĂ”es de ediçÔes e as pessoas menos acostumadas, talvez, se sintam intimidadas com isso. Eu espero que as pessoas que participarem do curso se engajem posteriormente nas ediçÔes. Que nĂŁo seja uma participação Ășnicaâ, conclui.
Mais Teoria da HistĂłria na Wiki
Coordenado pela professora adjunta de Teoria da HistĂłria na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), FlĂĄvia Florentino Varella, o Mais Teoria da HistĂłria na Wiki foi criado em 2022 visando estimular o engajamento de mulheres, pessoas LGBTQIAP+, indĂgenas e pretas no campo de estudos da Teoria da HistĂłria, alĂ©m de aumentar a participação de pessoas das ĂĄreas de CiĂȘncias Humanas e Comunicação nas plataformas de acesso aberto WikipĂ©dia, Wikidata e Wikimedia Commons, gerenciadas pela Fundação Wikimedia.
Financiado pela Fundação Wikimedia, o projeto de histĂłria pĂșblica busca a ampliação do debate sobre temas relacionados aos estudos de gĂȘnero, de sexualidade, de raça e Ă s epistemologias do Sul Global. A iniciativa tem a Sociedade Brasileira de Teoria e HistĂłria da Historiografia (SBTHH) e o NĂșcleo de Estudos em PolĂticas da Escrita, da MemĂłria e da Imagem (NEPEMI) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), como parceiros, alĂ©m de vĂĄrios nĂșcleos de pesquisa em Teoria da HistĂłria, e conta com o apoio da Associação Nacional de HistĂłria (ANPUH-Brasil) e de diversos afiliados e grupos independentes do movimento Wikimedia.

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